A gente segue e deixa-os sós

  • 2025-03-30

Viagens na minha terra

 

Às vezes, passo horas inteiras

Olhos fitos nestas braseiras,

Sonhando o tempo que lá vai ;

E jornadeio em fantasia

Essas jornadas que eu fazia

Ao velho Douro, mais meu Pai.

 

(…)

 

E, dia e noite, aurora a aurora,

Por essa doida terra fora,

Cheia de Cor, de Luz, de Som,

Habituado à minha alcova

Em tudo eu via coisa nova,

Que bom era, meu Deus ! que bom !

 

Moinhos ao vento ! Eiras ! Solares !

Antepassados ! Rios ! Luares !

Tudo isso eu guardo, aqui ficou :

Ó paisagem etérea e doce,

Depois do Ventre que me trouxe,

A ti devo eu tudo que sou !

 

(…)

 

Ao sol, fulgura o Oiro dos milhos !

Os lavradores mailos filhos

A terra estrumam, e depois

Os bois atrelam ao arado

E ouve-se além no descampado

Num ímpeto aos berros : — Eh ! bois !

 

E, enquanto a velha mala-posta,

A custo vai subindo a encosta

Em mira ao lar dos meus Avós,

Os aldeões, de longe, alerta,

Olham pasmados, boca aberta ...

A gente segue e deixa-os sós.

 

Que pena faz ver os que ficam !

Pobres, humildes, não implicam,

Tiram com respeito o chapéu :

Outros, passando a nosso lado

Diziam : «Deus seja louvado ! »

« Louvado seja ! » dizia eu.

 

E, meiga, tombava a tardinha ...

No chão, jogando a vermelhinha,

Outros vejo a discutir.

Carpiam, místicas, as fontes ...

Água fria de Trás-os-Montes

Que faz sede só de se ouvir !

 

(…)

 

Caía a noite. Eu ia fora,

Vendo uma estrela que lá mora,

No Firmamento português :

E ela traça-me o meu fado

« Serás Poeta e desgraçado ! »

Assim se disse, assim se fez.

 

(…)

 

E a mala-posta ia indo, ia indo,

O luar, cada vez mais lindo,

Caía em lágrimas, — e, enfim,

Tão pontual, às onze e meia,

Entrava, soberba, na aldeia

Cheia de guizos, tlim, tlim, tlim !

 

Lá vejo ainda a nossa Casa

Toda de lume, cor de brasa,

Altiva, entre árvores, tão só !

Lá se abrem os portões gradeados,

Lá vêm com velas os criados,

Lá vem, sorrindo, a minha Avó.

 

(…)

 

Ó Portugal da minha infância,

Não sei que é, amo-te a distância,

Amo-te mais, quando estou só ...

Qual de vós não teve na Vida

Uma jornada parecida,

Ou assim, como eu, uma Avó ?”

 

António Nobre, Só, 1892